domingo, 10 de novembro de 2013

Financiador da desigualdade

     Até na linguagem ele é cinematográfico. John Perkins teve uma vida digna de roteiro hollywoodiano, só que sua história não é ficção. “Confissões de um assassino econômico” é a autobiografia de um homem que trabalhou para o fortalecimento do imperialismo estadunidense e, consequentemente, para a manutenção do sistema capitalista no planeta. Com falsos argumentos humanitários, Perkins convencia líderes de países periféricos a aceitar empréstimos do FMI e do Banco Mundial. Ele os seduzia com promessas de crescimento econômico e desenvolvimento social, fazia cálculos absurdos e simulava resultados positivos para conseguir a confiança dos mais pobres, fazendo-os contrair dívidas astronômicas com os Estados Unidos.
     Embora as visitas a países como Equador e Indonésia, entre as décadas de 60 e 70, tenham servido para que Perkins conhecesse um pouco da cultura das populações locais, o assassino econômico não abriu mão de sua missão. No livro o autor mostra-se arrependido e acredita que sua publicação diminua sua culpa, mas o que está feito está feito. O fato é que John Perkins assume que colaborou para a desigualdade entre os países, para a miséria dos subdesenvolvidos e para a subserviência de milhões de pessoas ao cruel império global. Projetos de expansão da infraestrutura dos transportes, telecomunicações e de produção de energia elétrica seduziram povos e criaram neles a esperança de entrar para a lógica do mundo globalizado e rico. Quando na verdade, o que estava acontecendo era um golpe do que o próprio Perkins chama de “corporatocracia”.
     Esse termo é usado no livro para designar a rede formada por grandes empresas multinacionais e pelo governo dos Estados Unidos. Uma dessas empresas contratou Perkins com o cargo de economista, sendo que ele se formou em Administração. Vaidoso, aceitou o convite de um amigo da família de sua esposa Ann para trabalhar com ele em algo que o daria alto retorno financeiro. Por trás das ofertas e propostas de desenvolvimento, o objetivo verdadeiro de um assassino econômico era firmar contratos lucrativos para as firmas multinacionais de construção e levar os países a fazer empréstimos que eles nunca seriam capazes de pagar. Em sua função, Perkins exercia o papel de um agente corporativo que deliberadamente exagerava o potencial de retorno econômico desses investimentos. Perkins se aproximava de políticos e famílias poderosas dentro desses países, pois de acordo com a lógica do esquema, apenas essa minoria se beneficiaria com tais negócios. As oligarquias enriqueceriam às custas da decadência acelerada do padrão de vida da maior parte da população.
     No momento em que os gestores dos países endividados percebiam que pagar os débitos havia se tornado uma opção inviável, Perkins retornava à cena junto às agências internacionais de empréstimos e as grandes empresas então agiam para controlar os recursos e a política econômica da nação devedora. Claro que isso é uma das estratégias que fazia parte do plano imperialista. O relato de Perkins denuncia que, na atual fase do capitalismo, conquistar territórios e influenciar povos não é mais missão dos exércitos e das lutas armadas, mas sim da ocupação econômica e simbólica (portanto cultural) através das grandes corporações. Nesse jogo de poderes, Perkins foi uma peça-chave do lado vencedor.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

É preciso esquecer-se, estar vivo e olhar

O acaso não agracia a todos. Se eu tivesse a honrosa oportunidade de falar algumas poucas palavras a Henri Cartier-Bresson, seriam essas. O filme 'Ponto de Interrogação' (1994), dirigido por Sarah Moon, apresenta um homem instigante que, de forma encantadora, revela-se tímido e modesto. O que mais me impressionou no filme, gravado quando o ilustríssimo fotógrafo tinha 86 anos, foi a captura da avidez que Bresson tinha por liberdade. Uma década antes de sua morte, ele era jovem pelas questões que tinha em aberto e pela lucidez com que as apresentava. Porém, mostrava-se maduro pela leveza despreocupada com que as encarava.

Cartier-Bresson disse que o acaso foi generoso com ele, mas o destino ou a sorte não contemplam qualquer um. As circunstâncias que levaram Bresson a se encontrar no lugar certo e no momento certo foram construídas por ele mesmo. A imersão feita ao passar longos períodos em um lugar, como fez na experiência na Costa do Marfim, e sua paciência em observar o ambiente antes de começar a fotografar propiciaram as situações que Bresson considerou humildemente como ocasionais.

A intimidade de Cartier-Bresson é o próprio ponto de interrogação que dá nome ao filme. Bresson foge das perguntas feitas pelos seus amigos, deixando as questões suspensas no ar, o que, de certa forma, demonstra o título da obra. Muito próximo da filosofia Zen, o fotógrafo acreditava que não havia conclusões para nada, pois, segundo ele, a "vida é uma contradição". Sua carreira foi marcada por atitudes libertárias. As sucessivas fugas do campo de concentração na Alemanha durante a segunda guerra mundial são provas disso. Bresson não aceitava rótulos. Talvez por essa razão se esquivasse dos questionamentos sobre sua vida e expunha tão sutilmente seus pensamentos. Ele se escondia, evitava ser aprisionado por definições e, então fazia rodeios, sempre provocando a partir de suas respostas ainda mais indagações. Justamente por causa dessa postura sua personalidade é tão intrigante. Em um dos momentos que dribla uma interrogação, Bresson aparece afirmando que "a intimidade é algo secreto". Ele era realmente discreto.

Durante o filme fica claro que o Bresson não se sentia à vontade em frente às lentes, não gostava de ser filmado. Sobre esse quesito, é muito curiosa a parte da gravação em que ele pede para apagarem uma lâmpada que o incomodava, ele alegou que na penumbra seria mais íntimo. Quando, na verdade, a exposição de sua privacidade o perturbava. Rejeitar a fama é mais um exemplo da conduta libertadora adotada por Bresson. Ele considerava a notoriedade aprisionadora, pois, apesar de se mostrar feliz por as pessoas apreciarem seus trabalhos, acreditava ser necessário se reinventar sempre. Em uma de suas muitas citações, Bresson fez referência a Degas que, em uma fala extremamente sagaz, disse que é ótimo ser famoso, "com a condição de ser desconhecido".

O fotógrafo que “vestiu a camisa da fotografia”, como ele mesmo disse, praticava outras formas de expressão artística. Bresson dedicou boa parte de sua vida aos desenhos e às pinturas. Para ele, a fotografia era “explosão” e o desenho “meditação”. Bresson achava que faltava grafismo na fotografia, mas seus registros eram muito equilibrados. Nas suas próprias palavras: “quando vejo alguma coisa que não está na proporção certa... isso me irrita. Me irrita muito. A minha alegria é a geometria.” A técnica, a preocupação com a harmonia das formas e a estética visual são evidentes nas fotografias de Bresson, o que ele jamais permitiu que fosse sobreposto à emoção, aos sentidos que as imagens guardam e que comovem quem as vêem. A estratégia do chamado “momento decisivo”, o que ele definiu como “orgasmo”, é justamente isso. O que ocorre com uma beleza mágica nesse instante é a combinação perfeita entre o significado expresso naquela imagem (o que há de sentimento e o engajamento do fotógrafo nela) e o cuidado das escolhas de ângulos e enquadramentos.  Presumo que tenha sido isso que Bresson quis dizer com a célebre frase: “Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração”.

terça-feira, 12 de março de 2013

De volta às voltas

Sempre concordei com todos que dizem que mudar é bom. A mudança seria a premissa da evolução. Todo desenvolvimento se dá através das sucessivas transformações pelas quais nos submetemos (por escolha própria ou não).
Ser constantemente o mesmo, com as mesmas certezas sobre tudo, com as mesmas concepções de mundo, com os mesmos princípios invioláveis e inquestionáveis é ser uma mula empacada, que não sai do lugar, não anda pra frente.
Mudar é importante para se conhecer e saber do que somos capazes pelos nossos objetivos. Também pode ser bom trocar de objetivos, mesmo que isso não agrade aos medrosos e conservadores de um "caráter íntegro". Tá bom...
Às vezes eu tenho muito medo de esquecer como eu era no passado, tenho pavor de me perder de mim mesma e abandonar toda uma trajetória. Não tenho mais vergonha de assumir que penso sim que o que somos hoje é resultado do acúmulo de tudo que fomos, ainda somos e também do que deixamos de ser.
Mas é que eu mudo tanto que não reconheço a mim mesma de pouco tempo atrás. Mudo comigo, mudo o que penso sobre os outros. Pode ser que amanhã eu tenha certeza de que não mudo nada e que eu tava viajando quando escrevi isso.
Essa vida de ter 20 anos e achar que sabemos alguma coisa.
Essa vida de ter 20 anos e achar que achamos que sabemos alguma coisa sem saber de nada.



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eternas conexões

Quando se cria uma história com alguém, o que há de comum entre essas duas pessoas são as lembranças do que passaram juntas. Os laços da memória semelhante são conexões indissociáveis. Desconectar essas pessoas é impossível, como uma tentativa de apagar o passado (fazer "desacontecer" o que aconteceu).
A vida que viveram compartilhadamente já foi viviva, não dá para desfazê-la. Já era.
Destinos cruzados. Irretornável. Mesmo que as possibilidades menos prováveis se tornem reais e cada um tome seu rumo sem jamais se reencontrar, o que aconteceu, ficou. Não deixou de ter existido porque acabou.
As pessoas tem laços mentais - e às vezes afetivos - eternos. Pois possuem dentro de si sensações que só existem devido a sua própria natureza de ser iguais para as duas pessoas. Nenhuma das lembranças existiria se não fosse o compartilhamento de momentos únicos que acarretam memórias mútuas e eternas.
O nosso passado em comum não morre nem para mim e nem para você. Mesmo se desejássemos, ele não morreria. A vida é assim, não nos dá essa possibilidade.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Passou

Às vezes me sinto leve e sutilmente feliz. Mas aí eu vejo que você esqueceu de me chamar pra tal social com aquelas pessoas que eram nossas conhecidas antes de você considerá-las as pessoas mais interessantes do mundo. Eu e você nos identificávamos um no outro. Era bom, era muito bonito ouvir dizer que também sentia o que eu sentia. Faz algum tempo que não conversamos, que não batemos aquele papo cabeça que nos fazia perceber que não estávamos sós com as nossas sensações e questões existenciais mais malucas.
Agora chego a me perguntar porque fui deslocada do topo de suas prioridades para o posto de mais uma em meio ao grupo super cool formamos. Formamos? Talvez eu não devesse ter usado a primeira pessoa do plural esse tempo todo.
Tô tão singular, sabia? Era legal ser parte de um par. Mas um par se faz em dupla, e eu não sou duas.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Minha melhor companhia

Já quis ser atleta,
já quis ser artista,
e quem nunca quis?

Não sei se sou poeta,
quem sabe jornalista,
não sei se sou feliz.

Sou minha melhor amiga,
e cantando essa cantiga
posso escutar o que a solidão me diz.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Procura-se

Procuro por alguém que
procure por alguém.
Procuro por alguém que
procure por alguém como eu.
Procuro por alguém que
procure por alguém como eu procuro por alguém.

sábado, 7 de julho de 2012

Auto boicote

Estar sozinha aqui e agora não significa que eu seja solitária, embora eu me sinta assim quase sempre.
Eu vou tentar entender qualquer decisão sua. Entre te ter e não te ter, prefiro que sejamos amigos. Não sei, posso demorar a me acostumar com isso, mas é bem possível que funcione. Porque não tentamos?! O que não funcionaria é a gente tentar um relacionamento sério, rotulado. Nós provavelmente cometeríamos os mesmos erros dos tantos relacionamentos passados. Eu ia te procurar, querer estar junto e saber de você. Você ia enjoar e não me responder. Eu ia chorar e você nem se mexer. Por fim, eu desistiria e ficaria sofrendo um desamor eterno até que retornasse em outro. Que ciclo filho da puta. Mas quem tá na chuva é pra se molhar.
Mas sabia que poderia ser tudo diferente? Você e eu poderíamos ser maravilhosos juntos. Ao invés de nos prendermos poderíamos nos libertar. Amar tem que fazer bem, poxa. A gente podia ser justo e compreensivo. Respeitar o espaço do outro, enxergar a nós mesmos como como seres únicos e inteiros, não como metades que se completam, mas sim unidades que se somam, multiplicam.
A gente não precisaria ser um casal. Ou seja lá o que isso for. Poderíamos ser um o carinho do outro.
Só.
Olha eu forçando a barra para me fazer acreditar em mim.
Pífio.
Acho que gostar de alguém é isso: sempre ver uma luz no fim do túnel.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Não

É, não dá para disputar com as tuas lembranças e teu sentimento mais forte. Eu sei como é, talvez não saiba bem, mas faço ideia e posso imaginar a intensidade da marca dela em você.
Ela é tão linda. Você poderia ser mais lindo se quisesse, mas você é aquele tipinho que não pode se render às meras aparências. Por isso não gosta de aparecer.
Você se esconde muito. Se esconde de coisas que nem sei. Não quer que alguém te julgue mal e te esqueça completamente? Não quer correr o risco de perder a chance da reaproximação afetiva quando tiver a aproximação geográfica? Acho que eu faria o mesmo... Não te julgo não. Acho bonito até.
Boa sorte. Cuide-se bem... Mas descuida de mim logo porque eu não vou conseguir te largar sozinha.

sábado, 2 de junho de 2012

Espinhas e rugas

Um banho morno
Uma toalha macia
Um espelho me olha,
eu o encaro.

Eu não me vejo.

Em defesa da liberdade,
faça o que tiver vontade.

As marcas da juventude são intensas
Sobretudo na pele do rosto.
Saltando, explodindo
De dúvidas,
conflitos,
e pus.

Mais tarde as marcas serão do uso,
do tempo,
da gravidade,
da idade.