quinta-feira, 11 de julho de 2013

É preciso esquecer-se, estar vivo e olhar

O acaso não agracia a todos. Se eu tivesse a honrosa oportunidade de falar algumas poucas palavras a Henri Cartier-Bresson, seriam essas. O filme 'Ponto de Interrogação' (1994), dirigido por Sarah Moon, apresenta um homem instigante que, de forma encantadora, revela-se tímido e modesto. O que mais me impressionou no filme, gravado quando o ilustríssimo fotógrafo tinha 86 anos, foi a captura da avidez que Bresson tinha por liberdade. Uma década antes de sua morte, ele era jovem pelas questões que tinha em aberto e pela lucidez com que as apresentava. Porém, mostrava-se maduro pela leveza despreocupada com que as encarava.

Cartier-Bresson disse que o acaso foi generoso com ele, mas o destino ou a sorte não contemplam qualquer um. As circunstâncias que levaram Bresson a se encontrar no lugar certo e no momento certo foram construídas por ele mesmo. A imersão feita ao passar longos períodos em um lugar, como fez na experiência na Costa do Marfim, e sua paciência em observar o ambiente antes de começar a fotografar propiciaram as situações que Bresson considerou humildemente como ocasionais.

A intimidade de Cartier-Bresson é o próprio ponto de interrogação que dá nome ao filme. Bresson foge das perguntas feitas pelos seus amigos, deixando as questões suspensas no ar, o que, de certa forma, demonstra o título da obra. Muito próximo da filosofia Zen, o fotógrafo acreditava que não havia conclusões para nada, pois, segundo ele, a "vida é uma contradição". Sua carreira foi marcada por atitudes libertárias. As sucessivas fugas do campo de concentração na Alemanha durante a segunda guerra mundial são provas disso. Bresson não aceitava rótulos. Talvez por essa razão se esquivasse dos questionamentos sobre sua vida e expunha tão sutilmente seus pensamentos. Ele se escondia, evitava ser aprisionado por definições e, então fazia rodeios, sempre provocando a partir de suas respostas ainda mais indagações. Justamente por causa dessa postura sua personalidade é tão intrigante. Em um dos momentos que dribla uma interrogação, Bresson aparece afirmando que "a intimidade é algo secreto". Ele era realmente discreto.

Durante o filme fica claro que o Bresson não se sentia à vontade em frente às lentes, não gostava de ser filmado. Sobre esse quesito, é muito curiosa a parte da gravação em que ele pede para apagarem uma lâmpada que o incomodava, ele alegou que na penumbra seria mais íntimo. Quando, na verdade, a exposição de sua privacidade o perturbava. Rejeitar a fama é mais um exemplo da conduta libertadora adotada por Bresson. Ele considerava a notoriedade aprisionadora, pois, apesar de se mostrar feliz por as pessoas apreciarem seus trabalhos, acreditava ser necessário se reinventar sempre. Em uma de suas muitas citações, Bresson fez referência a Degas que, em uma fala extremamente sagaz, disse que é ótimo ser famoso, "com a condição de ser desconhecido".

O fotógrafo que “vestiu a camisa da fotografia”, como ele mesmo disse, praticava outras formas de expressão artística. Bresson dedicou boa parte de sua vida aos desenhos e às pinturas. Para ele, a fotografia era “explosão” e o desenho “meditação”. Bresson achava que faltava grafismo na fotografia, mas seus registros eram muito equilibrados. Nas suas próprias palavras: “quando vejo alguma coisa que não está na proporção certa... isso me irrita. Me irrita muito. A minha alegria é a geometria.” A técnica, a preocupação com a harmonia das formas e a estética visual são evidentes nas fotografias de Bresson, o que ele jamais permitiu que fosse sobreposto à emoção, aos sentidos que as imagens guardam e que comovem quem as vêem. A estratégia do chamado “momento decisivo”, o que ele definiu como “orgasmo”, é justamente isso. O que ocorre com uma beleza mágica nesse instante é a combinação perfeita entre o significado expresso naquela imagem (o que há de sentimento e o engajamento do fotógrafo nela) e o cuidado das escolhas de ângulos e enquadramentos.  Presumo que tenha sido isso que Bresson quis dizer com a célebre frase: “Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração”.

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