sexta-feira, 9 de julho de 2010

Consciência, liberdade e culpa

- Mas você quer a criança?
Ela não respondeu. Era o momento decisivo; Daniel repetiu com voz dura:
- Você quer, não é? Você quer a criança?
Marcelle apoiou-se com uma das mãos ao travesseiro, a outra, ela a largara sobre a coxa. Ergueu-a e a levou ao ventre como se estivesse com dor de barriga. Era grotesco e fascinante. Ela disse com voz solitária:
- Sim, quero.
Ganhara. Daniel calou-se. Não podia tirar os olhos daquele ventre. Carne inimiga, carne gorda e nutriz, guarda-comida. Pensou que Mathieu a desejara e sentiu uma chama ligeira de satisfação. Era como se já se houvesse vingado um pouco. A mão morena crispava-se sobre a seda, apertava o ventre. Que sentia por dentro aquela fêmea pesada e perturbada? Desejara ser ela. Marcelle disse com voz surda:
- Daniel, você me libertou. Eu não... não podia dizer isso a ninguém no mundo, acabara por imaginar que era um crime.
Olhou-o angustiada.
- Não é um crime?
Ele não pôde deixar de rir.
- Um crime? Mas isso é perversão, Marcelle. Achar criminosos seus desejos quando são naturais.

A Idade da Razão, cap. X
Jean-Paul Sartre


A liberdade faz um homem angustiado quando ele não consegue sustentar suas escolhas...

2 comentários:

Hiran Matheus disse...

Lindo texto Barbara! O tema realmente me chama a atenção!

Felipe Braga disse...

Acho liberdade muito relativo. Quando se ama, por exemplo, nunca se é livre.
Sartre, Bárbara... os autores aqui são de primeira linha. rs

Beijos.